Foto - Lia de Paula
De Vinícius de Moraes
De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas
fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
* ADEUS, Doutor Demócrito, com quem convivi e aprendi por 24 anos da minha vida.
2 comentários:
A saudade fica. Mas não fica sozinha. O aprendizado, o destemor e o espírito arrojado de Demócrito permanecerão. Ele não foi uma vida construída sobre dunas destas plagas, mas sobre o concreto fazer de sonhos e conquistas.
Vá com Deus, caro Demócrito.
João de Paulo.
Eliomar, aquele que tinha vergonha de falar pq a voz vc achava que esta dentro de um Pote, como não sei seu email pessoal sobre o que aconteceu Shibumi@zipmail.com.br:
"A arte de ver", de Rubem Alves no livro "Educação dos
Sentidos"
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou
ficando louca". Eu fiquei em silêncio, aguardando que
ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos
meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as
cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria!
Aconteceu, entretanto, faz uns dias, eu fui para a
cozinha fazer aquilo que já fizera centenas de vezes:
cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Entretanto,
cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto.
Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles
anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo
neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um
vitral de catedral gótica. De repente a cebola, de
objeto a ser comido se transformou em obra de arte a
ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando
cortei os tomates, os pimentões... Agora tudo o que
vejo me causa espanto..."
Ela se calou, esperando meu diagnóstico. Eu me
levantei, fui até a estante de livros e de lá retirei
as "Odes elementares", de Pablo Neruda. Procurei "Ode
à cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a
acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda
disse de uma cebola igual àquela que lhe causou
assombro: '...rosa de água com escamas de cristal...'
Não, você não está louca. Você ganhou olhos de
poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os
olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais
fácil compreensão científica. A sua física é idêntica
à física ótica de uma máquina fotográfica: o objeto do
lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas
existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o
sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei isso
por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos,
sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está
uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia
perto da minha casa decretou a morte de um ipê que
florescia à frente de sua casa, porque ele sujava o
chão, dava muito trabalho para a vassoura. Seus olhos
não viam a beleza. Só viam lixo.
A Adélia Prado diz: "Deus de vez em quando me tira a
poesia. Olho para uma pedra e só vejo uma pedra". O
Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra
que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.
"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores",
escreveu Alberto Caeiro. O ato de ver não é coisa
natural. Precisa ser aprendido. Nietzche sabia disso e
afirmou que a primeira tarefa da educação era ensinar
a ver. O zen budismo concorda, e toda a sua
espiritualidade é uma busca da experiência chamada
"satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se
Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que
ele escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos
acordaram e agora os olhos dos meus olhos se
abriram...".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada
de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado.
Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no
subitamente: ao partir do pão "os seus olhos se
abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote no
"Operário em construção":
"De forma que, certo dia,
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção."
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são
guardados. Se os olhos estão na "caixa de
ferramentas", eles são apenas ferramentas que usamos
por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais
luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O
ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é
muito pobre. Os olhos não gozam... Mas quando estão na
"caixa de brinquedos", eles se transformam em órgãos
de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer
de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os
olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa de
brinquedos são os olhos das crianças. Para ter olhos
brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas
mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte
de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu,
tornado outra vez criança, eternamente:
"A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as cores que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as têm na mão
E olha devagar para elas."
Por isso, porque eu acho que a primeira função da
educação é ensinar a ver, eu gostaria de sugerir que
se criasse um novo tipo de professor, um professor que
nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar
para os assombros que crescem nos desvãos da
banalidade cotidiana. Como Jesus Menino do poema do
Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos
vagabundos"...
Um grande abraço carinhoso pela sua dor que sei muito verdadeira, QUANDO FICAMOS ÓRFÃOS TEMOS A OBRIGAÇÃO DE CONTINUAR A EMPREITADA DE NOSSOS PAIS
(não precisa publicar)
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