sábado, 14 de março de 2009

HÁ 15 ANOS DOM ALOÍSIO ERA REFÉM NUM PRESÍDIO QUE CONTINUA O MESMO


Dom Aloísio morreu em 2007 em Porto Alegre

"O que aparentemente seria apenas mais uma das várias visitas de dom Aloísio Lorscheider, então cardeal arcebispo de Fortaleza, a um dos presídios do Ceará se tornou um dos fatos mais marcantes na história do País. O caso que chocou milhares de pessoas aconteceu há exatos 15 anos. Era 15 de março de 1994. Além de dom Aloísio, os então bispos auxiliares dom Edmilson Cruz, dom Geraldo Nascimento e o padre Aldo Pagotto foram ao encontro dos presos no auditório do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPSS). Dom Aloísio estava falando quando os presentes perceberam o detento Antônio Carlos Souza Barbosa, o Carioca, subindo ao palco do local. Muitos acreditaram que ele fosse prestar algum tipo de homenagem. Mas, de repente, o presidiário segurou dm Aloísio e o levou com uma faca em seu pescoço. “Aí começou o tiroteio. Uma guerra. A gente só enxergava a fumaça de pólvora e ouvia as balas passando. Eu podia ter tentado me defender e escapado. Mas por instinto, pela união entre nós, a gente seguiu junto com dom Aloísio”, relembra dom Edmilson Cruz, hoje com 84 anos.
Muitos detalhes ainda estão na sua memória. E ele não guarda ressentimento de nada. “Foi chegando gente, o governador Ciro Gomes, o Tasso Jereissati. Começou um diálogo de surdos. Eles armados de um lado e do outro as autoridades e a polícia”. Conforme as notícias da época, eram 13 reféns e 13 detentos numa sala de 25m2. Os presidiários exigiam um carro-forte e armamentos para a fuga. Mário Mamede, que na época era deputado estadual e hoje é presidente do Instituto de Previdência do Município (IPM), também foi feito refém.
“Foi um momento muito marcante. Tivemos um gesto de extrema solidariedade entre nós. Sabíamos que um dependia do outro e por isso, nos protegíamos. Isso tá muito vivo na minha memória, como deve estar na dos outros”. Foram quase 20 horas de sofrimento. O caso teve início por volta de 10 horas da manhã. Somente à noite, os detentos receberam o carro-forte e saíram do presídio. “Eles diziam aos policiais que se as exigências não fossem atendidas, ninguém sairia vivo. Ao mesmo tempo, falavam pra gente que não ia acontecer nada. Uma ameaça constante”, destaca dom Edmilson. Quando o carro-forte chegou, as 26 pessoas ficaram “espremidas” no veículo. À frente, dom Edmilson conta, foram o Carioca, o dom Aloísio e o Fazendeiro, um dos detentos. “Um rapaz bonito, parecia com nosso Jesus Cristo”, detalha. “O resto foi nesse aperto. A luz estava desligada e a sede aumentando”. Até que uma das reféns começou a passar mal e eles decidiram libertar quatro pessoas. Maria Rejane Gomes e seu marido, o então vereador Severino Pires, o fotógrafo do O POVO João Carlos Moura e mais uma refém. “Não tivemos um sentimento de raiva. Eram pessoas que estavam lutando desesperadamente para ter liberdade. Um deles disse que se passasse 24 horas fora do presídio e visse o céu, estaria feliz”, lembra Mário Mamede. Por volta das 4 horas da madrugada seguinte, o carro-forte chegou à casa do Fazendeiro, em Quixadá. “Ele tratou uma criança com ternura e se despediu da mãe. Nós bebemos água e retornamos à estrada”. Pouco tempo depois, quase às 6 horas, a polícia conseguiu alcançar os sequestradores. “Foi um momento muito difícil. Teve tiroteio e, num momento de trégua, a gente conseguiu fugir para um mato”. Para Mário Mamede, depois de tantos anos, o maior sentimento é de frustração. “Perdemos uma grande oportunidade. Esse episódio poderia ter sido o começo de um novo capítulo, mas pouco mudou. Será que vai ser preciso um episódio mais grave ainda para que as autoridades comecem a tomar uma providência?”.



(Jornal O POVO deste domingo)

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